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Cais do Sodré. Oito horas e quarenta e oito minutos. Ocupo o meu lugar à janela. O comboio parte.
Uma família com ar de turista conversa animada. Uma senhora de lábios vermelhos atende o telemóvel. Uma rapariga tira fotografias e sorri. Uma música paira no ar…viajo. Alcântara-Mar. Belém. A minha atenção voa até à janela ao meu lado. Algés. Cruz Quebrada. O rio com tamanho de mar atrai-me. As pessoas passam a ser segundo plano e é ele que toma o palco principal. Caxias. Paço de Arcos. Oeiras. Pelos meus olhos desfilam carros, pessoas, árvores, prédios.
Carcavelos. Parede. São Pedro. São João. Os pensamentos voam. Vejo palácios com princesas. Tempos passados e tempos presentes. Um grande relógio que sustenta cada segundo… "próxima e última paragem: Cascais!"
“Preciso só de um documento de identificação por favor. Obrigada. Aqui tem. Pode andar com ela até às 16h30.”
Despeço-me do homem do balcão. Ele sorri. A Bica começa timidamente a percorrer a calçada de Cascais. A Bica ganha velocidade. Nesta viagem é ela a dirigir. Percorro com a minha nova companheira de viagem parte da ciclovia que termina no Guincho. Calças de desporto, ténis e camisolas fluorescentes passam e ultrapassam a Bica. Ouço gargalhadas, vejo sorrisos, sinto a alegria de quem visita pela primeira vez e de quem faz destas terras rotina matinal.
As rochas dominam a paisagem. O mar agreste bate com alguma violência. É a Boca do Inferno que me faz parar. Uma gaivota espreita-me. Olha-me. Voa. Uma mulher de calças vermelhas e t-shirt branca pede para lhe tirar uma fotografia. Sento-me. Fecho os olhos e por momentos o mar conta-me a sua história. Parto.
"Ainda bem que veio hoje. O Farol de Santa Marta esteve fechado para obras e hoje é a sua abertura oficial. Com certeza. Pode subir!" Uma camisa branca e umas calças pretas encaminham-me até à entrada do farol. Uma cadeira branca repousa à entrada. Pé ante pé subo a escadaria. Cá em cima tudo parece pertencer a outro mundo. Sinto-me a Alice do País das Maravilhas em casa do Coelho Branco. De um lado do farol sinto-me gigante, a terra parece minúscula vista de cima. Do outro lado do farol sinto-me minúscula, o mar parece gigante visto de cima. Desço.
Parque Marechal Carmona. Encosto a Bica e percorro ruas e ruelas de terra batida. Por mim passam árvores, flores, plantas, animais. Procuro um lugar. O meu lugar… sentada num banco de jardim respiro. Recarrego baterias. O sol brilha. Parto.
Abandono o jardim e percorro a Marina de Cascais. Barcos aguardam viagens, pessoas aguardam viagens, barcos e pessoas aguardam pessoas. A Bica continua a sua viagem. Camisolas brancas e coloridas, calças e calções saem à rua. Óculos de sol e chapéus ocupam esplanadas e bancos de jardim. Ténis e sapatos percorrem ruas e ruelas da cidade. Entrego a Bica. Despeço-me dela e continuo a minha rota a pé.
Pé ante pé percorro ruelas cheias de gentes e vidas. Paralela ao mar sigo viagem. Ele é o meu novo companheiro de viagem. Monte Estoril. Estoril. Percorro o passeio marítimo. Tolhas estendidas na areia, bolas voam pelos ares, pranchas apanham ondas no mar. Pessoas chegam, pessoas permanecem, pessoas partem. Chego, Permaneço. Parto. Abandono o mar e entrego-me ao comboio.
Próxima paragem: Parede
Umas calças de ganga e uma camisa aos quadrados dormitam junto a uma cana de pesca. O mar leva e traz o isco. Uma prancha de surf regressa do mar.
Próxima paragem: Carcavelos
Pegadas de água enchem o chão. Pegadas de água são o único vestígio de quem tocou, entrou e sentiu o mar de hoje. O tempo passa… pegadas de água desaparecem. Secam. O mar permanece. O sol começa a sua descida com destino ao mar. Abandono Carcavelos.
Próxima paragem: Alcântara-Mar
Percorro as Docas de Santo Amaro. Tento voar, alcançar o pôr do sol. A cada passo fico mais longe desse espetáculo de cores e luzes que enchem o céu e o mar. Por mim passam pessoas, veículos… não vejo ninguém. De câmara fotográfica em punho e de caderno debaixo do braço sigo de forma determinada o percurso até ao Padrão dos Descobrimentos. O sol põe-se. Assisto ao espetáculo. Delicio-me com um pastel de Belém. A viagem atinge o seu clímax. Daqui revê-se todo o percurso percorrido, vivido e sentido e projeta-se o próximo. Daqui revê-se a memória e projeta-se o futuro. Daqui somos descobridores e navegadores de outras épocas e de outras epopeias. Daqui parte-se.
Vinte horas e quarenta e oito minutos. O comboio chega. Entro. Ocupo o meu lugar…
Próxima e última paragem: Cais do Sodré
Piso a calçada de Lisboa. A viagem termina.
Veja aqui as fotos que completam o roteiro.